Rádio Manecão World – Colégio Manoel Ribas

Localizada na Vila das Torres, exatamente após a cerca que representa a última barreira entre uma renomada faculdade particular e o mais antigo território favelizado de Curitiba, a Escola Estadual Manoel Ribas é parceira do NCEP desde julho de 2011. Na instituição, o Núcleo atende adolescentes na faixa dos 11 aos 15 anos, matriculados, de maneira geral, nos últimos anos do ensino fundamental (6º ao 9º ano).

O contexto social do ambiente em que o colégio está inserido leva a algumas particularidades na dinâmica da implantação da rádio. Devido ao histórico de violência na região e aos altos índices de evasão escolar na capital paranaense (segundo um levantamento feito pelos conselhos tutelares da cidade em 2009, a escola pública curitibana perde 12 alunos diariamente), a escola é uma das poucas instituições de ensino mantidas pelo governo que contam com ensino integral. As crianças e adolescentes passam o dia na sala de aula, das 8:30 às 17:00. No período da manhã, a grade horária é composta pelas matérias obrigatórias regulares, como português, ciências e matemática. Após o almoço, os estudantes frequentam aulas especiais que envolvem, principalmente, os universos dos esportes e das artes. Essas atividades extracurriculares são optativas, ou seja, escolhidas pelos próprios adolescentes. O papel do NCEP é assessorar os jovens matriculados na matéria de Mídias, que engloba técnicas de criação de conteúdo para blogs e, de maneira mais forte, a produção radiofônica.

Num primeiro momento, a dinâmica das oficinas de rádio parecia apresentar diversos percalços. Apesar de os 15 estudantes inicialmente matriculados em Mídias estarem cursando a matéria por vontade própria, os adolescentes tendiam a começar as atividades relativamente dispersos. Com a democratização da internet e, consequentemente, das novas mídias digitais, o formato radiofônico parecia distante e arcaico para eles. Nos dois anos em que a equipe realizou o trabalho na escola, a mesma pergunta era feita logo na primeira aula: ”Quem tem o costume de escutar programas de rádio, sejam eles de música ou notícias?”. Em ambas as turmas, a grande maioria havia sintonizado uma estação de rádio apenas em raras ocasiões.

Por se tratarem de classes mistas, com alunos de várias séries e contextos diferentes, as turmas também foram marcadas por discrepâncias relevantes de qualidade de formação entre os estudantes. Enquanto alguns adolescentes possuíam desenvoltura e textos com cadência e coesão, outros tinham dificuldades para escrever uma redação coloquial de quatro ou cinco linhas. Essa diferença assumiu um caráter de obstáculo no início dos trabalhos. Entretanto, no decorrer do ano letivo, esse percalço foi transformado em um motor para fortalecer a união da turma e o trabalho em equipe, já que motivou os jovens com mais facilidade a ajudarem os outros colegas a formularem seus textos e ideias, para que todos participassem da produção da rádio.

Por fim, as dificuldades técnicas representaram um problema considerável. A escola contava com uma modesta mesa de som que, após um longo período sem ser utilizada, já não funcionava adequadamente. Após várias tentativas de conserto, o equipamento continuava precário, sem condições de proporcionar a estrutura mínima necessária para a divulgação da rádio dentro do colégio e da comunidade Vila das Torres, de acordo com as intenções iniciais do projeto. A solução encontrada foi postar as produções no blog da turma de Mídias16 , que atendia pelo nome de Manecão Online em 2013 e, no ano seguinte, foi rebatizado como Manecão World. A integração das plataformas virtual e radiofônica foi tão forte que os dois títulos dados ao blog se tornaram os nomes da rádio (Manecão Online em 2013; Manecão World em 2014). Além disso, essa característica transmídia aproximou os estudantes do formato de rádio, já que a dinâmica de postagem do material na internet era algo mais próximo da realidade deles e que possui um alcance maior, podendo ganhar territórios que vão além dos muros da escola.

A equipe do NCEP frequenta a escola uma vez por semana, sempre ocupando o tempo correspondente a uma aula (cerca de 50 minutos). Em geral, para a produção das reportagens, os estudantes se dividem em duplas, sobretudo pela falta de computadores e gravadores para todos.

As oficinas mesclam teoria, debate e prática, sempre com metodologia lúdica e dinâmica, seguindo a premissa de aproximar a produção jornalística dos alunos através de uma abordagem simples e direta. A execução de reportagens tradicionais é intercalada com formatos mais criativos, como a radionovela anual, programas temáticos especiais e cobertura de eventos internos, como feiras de ciências, campeonatos de esportes e semanas culturais. Também são agendadas duas visitas por ano ao estúdio de rádio da UFPR, localizado no campus de Comunicação Social onde os alunos podem conhecer as instalações, conversar com um profissional da universidade sobre questões mais técnicas do equipamento, produzir e editar as vinhetas de seus programas de rádio e gravar parte do material.

Ao fim do ano letivo, é evidente o papel que a produção radiofônica tem nos contextos pedagógicos e sociais dentro da comunidade escolar, impactando profundamente a visão dos alunos sobre si mesmos e a sociedade em que estão inseridos. Com a produção midiática, os jovens descobrem um canal para denunciar, opinar, levantar sua voz ou simplesmente criar algo. A rádio treina o olhar do adolescente para problemas que estão a sua volta e, muitas vezes, assumem ares de invisibilidade para as autoridades. Esse novo horizonte os inclina no sentido de questionar e reivindicar seu espaço como cidadãos que devem e merecem ser ouvidos, transformando-se, assim, em agentes sociais de mudança.

Os alunos também desenvolvem uma relação mais crítica com as informações que chegam até eles através das grandes empresas de comunicação, levantando questionamentos, buscando diversas fontes e sentindo-se livres para, inclusive, discordar do que está sendo retratado em uma matéria de um grande jornal, por exemplo. Os estudantes que já se envolveram na produção de reportagens, por conhecerem o processo e saberem como funciona, são promovidos a integrantes ativos no processo comunicacional, desenvolvendo uma relação de mão dupla com o emissor.

Além de evoluções no âmbito social, os jovens envolvidos no projeto também costumam concluir as atividades com mudanças na esfera individual. Os alunos tendem a se interessar mais por leitura e produção de textos, apresentando melhoras significativas quanto a gramática, coesão textual e, mais importante, avanços quanto ao gosto por livros, jornais e revistas. Outra tendência é que os adolescentes encerrem sua participação na matéria de Mídias mais desenvoltos e menos tímidos, com progressos também quanto à dicção, já que a prática radiofônica exige alguns exercícios vocais importantes.

Em 2013, o caso de uma aluna em particular chamou atenção da equipe envolvida no projeto. A adolescente de 14 anos, estudante de escola pública desde o início de sua formação, começou o ano letivo preocupada pois no ano seguinte, assim que entrasse no ensino médio, queria começar a trabalhar para ajudar a família nas despesas. A garota acabou se destacando como uma das melhores em todas as produções radiofônicas orientadas pelo NCEP. Ao fim da experiência, em seu feedback aos bolsistas do Núcleo, afirmou que batalharia para conquistar uma vaga na universidade e cursar jornalismo. Essa, talvez, seja uma das vitórias mais significativas do trabalho de educomunicação naquela instituição.

Para acompanhar as atividades da Rádio e do Manoel Ribas, clique aqui.

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